21 de novembro de 2007

POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO ESPECIAL NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA - Versão Preliminar

Tenho conversado com pessoas que ainda não conhecem o documento de orientação do MEC e têm encontrado dificuldades de encontrá-lo rapidamente no portal do MEC. Por isso, vou postá-lo aqui, na íntegra. Como ele é muito longo, foi dividido em duas partes.




I - APRESENTAÇÃO

A implementação de políticas inclusivas que pretendam ser efetivas e duradouras deve incidir sobre a rede de relações que se materializa através das instituições já que as práticas discriminatórias que elas produzem extrapolam, em muito, os muros e regulamentos dos territórios organizacionais que as evidenciam. (MEC/SEESP, 2005 p. 8)


1. O movimento mundial pela inclusão, como uma ação política, cultural, social e pedagógica, desencadeou a defesa do direito de todos os alunos pertencerem a uma mesma escola, de estarem juntos aprendendo e participando sem nenhum tipo de discriminação. A educação inclusiva constitui um paradigma educacional fundamentado na concepção de direitos humanos, que conjuga igualdade e diferença como valores indissociáveis.
2. A visão de direitos humanos avança em relação à idéia de eqüidade formal expressa no princípio de igualdade de oportunidades, passando a contextualizar as circunstâncias históricas da produção da exclusão dentro e fora da escola, reconhecendo que as dificuldades enfrentadas nos sistemas de ensino nas esferas federal, estadual e municipal evidenciam a necessidade de confrontar as práticas discriminatórias e criar alternativas para superá-las.
3. No Brasil, a educação inclusiva assume espaço central no debate acerca da sociedade contemporânea e do papel da escola na superação da lógica da exclusão. À luz dos referenciais para a construção de sistemas educacionais inclusivos, a organização de escolas e classes especiais passa a ser repensada, implicando uma mudança estrutural e cultural da escola comum para que receba todos os alunos, atenda suas especificidades e promova a melhoria da qualidade da educação, configurando-se em resposta às diferentes situações que levam à exclusão escolar e social.
4. Nesta perspectiva, o Ministério da Educação/Secretaria de Educação Especial apresenta este documento Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva que considera a evolução dos marcos filosóficos, políticos, legais e da pedagogia, definindo diretrizes para os sistemas de ensino. Essas diretrizes devem se traduzir em políticas educacionais que produzam o deslocamento de ações e incidam nos diferentes níveis de ensino, acompanhando os avanços do conhecimento e das lutas sociais, constituindo políticas públicas promotoras do amplo acesso à escolarização. II - MARCOS HISTÓRICOS E LEGAIS

5. A escola historicamente se caracterizou pela visão elitista da educação que delimita escolarização como privilégio de um grupo - uma exclusão que foi legitimada nas políticas e práticas educacionais reprodutoras da ordem social. A partir do processo de democratização da educação se evidenciou o paradoxo inclusão/exclusão, quando os sistemas de ensino universalizam o acesso, mas continuam excluindo indivíduos e grupos considerados fora dos padrões homogeneizadores da escola. Assim, sob formas distintas, a exclusão tem apresentado características comuns nos processos de segregação e integração que pressupõem a seleção, naturalizando o fracasso escolar.
6. A partir da visão dos direitos humanos e do conceito de cidadania fundamentado no reconhecimento das diferenças e na participação dos sujeitos, decorre uma identificação dos mecanismos e processos de hierarquização que operam na regulação e produção das desigualdades. Essa problematização explicita os processos normativos de distinção dos alunos em razão de características intelectuais, físicas, culturais, sociais e lingüísticas, entre outras estruturantes do modelo tradicional de educação escolar que podem definir e manter diferentes formas de rejeição.
7. A educação das pessoas com deficiência se organizou ao longo da história como atendimento especializado substitutivo ao ensino comum, evidenciando diferentes compreensões, terminologias e modalidades que levaram a criação das instituições especializadas, escolas especiais e classes especiais. Essa organização mostra a educação especial, de caráter caritativo, fundamentada no conceito de normalidade/anormalidade, que determinava formas de atendimento clínico terapêutico fortemente ancorado nos testes psicométricos e definia, por meio dos diagnósticos, as práticas escolares para os alunos com deficiência.
8. No Brasil, o atendimento as pessoas com deficiência teve início à época do Império com a criação de duas instituições: o Imperial Instituto dos Meninos Cegos em 1854, atual Instituto Benjamin Constant - IBC e o Instituto dos Surdos Mudos em 1856, atual Instituto Nacional da Educação dos Surdos – INES, ambos no Rio de Janeiro. No início do século XX é criado o Instituto Pestalozzi - 1926, instituição particular especializada no atendimento às pessoas com deficiência mental; em 1954 é fundada a primeira Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE.
9. As ações voltadas ao atendimento educacional de pessoas com deficiência fundamentavam-se nas disposições da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 4.024/61, que apontava o direito dos “excepcionais” à educação, preferencialmente dentro do sistema geral de ensino. Em 1970 foi criado no MEC, o Centro Nacional de Educação Especial – CENESP, responsável pela gerência da educação especial no Brasil, que sob a égide do discurso integracionista, impulsionou ações educacionais voltadas às pessoas com deficiência e às pessoas com superdotação.
10. As iniciativas de atendimento às pessoas com deficiência marcadas por uma concepção assistencialista não efetivaram políticas públicas de acesso universal à educação e promoção da autonomia e independência. As chamadas políticas especiais constituíram uma hierarquia de pertencimento, onde alunos com deficiência eram pensados como meros receptores de ações isoladas do Estado.
11. A Lei de Diretrizes e Bases para o ensino de 1º e 2º graus, nº 5.692/71, ao referir-se a “tratamento especial” para os alunos com “deficiências físicas, mentais, os que se encontrem em atraso considerável quanto a idade regular de matrícula e os superdotados”, reforçou a organização da Educação Especial de forma paralela à educação comum, gerando o entendimento de que alunos “atrasados” em relação a idade/série eram deficientes mentais treináveis.
12. A Constituição Federal, 1988, é fundamentada na promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, define, em seu artigo 205, a educação como um direito de todos, garantindo o pleno desenvolvimento da pessoa, o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. Estabelece, ainda, no artigo 206, como um dos princípios para o ensino, a igualdade de condições de acesso e permanência na escola. No artigo 208, garante como dever do Estado, o acesso aos níveis mais elevados do ensino, bem como a oferta do atendimento educacional especializado.
13. O Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8069/90, reforça os dispositivos legais, ao determinar que "os pais ou responsáveis têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino" (ECA, 2001, Art.55). Nessa década, documentos internacionais como a Declaração Mundial de Educação para Todos (1990) e a Declaração de Salamanca (1994), passam a influenciar a formulação das políticas públicas da educação brasileira.
14. Em 1994 é publicada a Política Nacional de Educação Especial, que orientou o processo de integração instrucional e condicionou o acesso às classes comuns do ensino regular àqueles que "(...) possuem condições de acompanhar e desenvolver as atividades curriculares programadas do ensino comum, no mesmo ritmo que os alunos ditos normais”. (MEC/SEESP, 1994, p.19)
15. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96 define no artigo 58, a educação especial como modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino para os educandos com necessidades especiais. No seu artigo 59, preconiza que os sistemas de ensino deverão assegurar aos alunos “currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específica para atender às suas necessidades" e a aceleração de estudos para que alunos superdotados possam concluir em menor tempo o programa escolar. Nesse sentido, o artigo 24 deixa claro a “possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante verificação do aprendizado”, como uma tarefa da escola.
16. Assim, a LDB define como responsabilidade do poder público a efetivação da matrícula na rede regular de ensino e a oferta de serviços de apoio especializados. No entanto, manteve a concepção tradicional de educação, ao prever classes, escolas ou serviços especializados para alunos considerados sem possibilidade de serem integrados no ensino regular em razão de condições específicas.
17. Em 1999, o Decreto 3.298 regulamenta a Lei nº 7.853/89, ao dispor sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, define a educação especial como modalidade transversal aos níveis e modalidades de ensino e, contraditoriamente, no seu artigo 24, condiciona a matrícula compulsória na rede regular de ensino às pessoas com deficiência consideradas ‘capazes de se integrar’.
18. Diante das mudanças, as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, Resolução CNE/CEB nº 2/2001, determinam, no art. 2º que:
Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas organizar-se para o atendimento aos educandos com necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos. (MEC/SEESP, 2001).

19. No entanto, as Diretrizes como um dos documentos orientadores para a inclusão educacional, por um lado ampliam o caráter da educação especial para realizar o atendimento complementar ou suplementar a escolarização e, por outro lado, reduzem esse potencial quando mantém a educação especial como modalidade substitutiva à educação comum. Dessa forma, não fortalece a adoção de uma política de educação inclusiva e o enfrentamento dos desafios necessários.
20. O Plano Nacional de Educação - PNE, Lei Nº 10.172/2001, delega funções no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, estabelecendo objetivos e metas para que os sistemas de ensino favoreçam o atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos. No seu diagnóstico, aponta um déficit nos sistemas de ensino em relação à política de educação especial, referente à oferta de matrículas para alunos com deficiência nas classes comuns do ensino regular; à formação docente; às instalações físicas e ao atendimento especializado.
21. O PNE destaca que “o grande avanço que a década da educação deveria produzir seria a construção de uma escola inclusiva que garanta o atendimento à diversidade humana”. Entretanto, a análise das metas estabelecidas para a educação especial denotam contradições ainda vigentes no sistema escolar ao enfatizar o incremento das classes especiais e o modelo da integração. (PNE, 2001, p.205)
22. A Convenção da Guatemala (1999), promulgada no Brasil pelo Decreto nº 3.956/2001, reafirma que as pessoas com deficiência têm os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que as demais pessoas, definindo discriminação como:
(...) toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, antecedente de deficiência, conseqüência de deficiência anterior ou percepção de deficiência presente ou passada, que tenha o efeito ou propósito de impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício por parte das pessoas portadoras de deficiência de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais.

23. Esse Decreto tem importantes repercussões na educação, exigindo uma reinterpretação da educação especial, compreendida no contexto da diferenciação adotada para promover a eliminação das barreiras que impedem o acesso à escolarização. Dessa forma, não se pode impedir ou anular o direito à escolarização nas turmas comuns do ensino regular, pois estaria configurando discriminação com base na deficiência.
24. Na perspectiva da educação inclusiva, a Resolução CNE/CP nº1/2002, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, definem que as instituições de ensino superior devem prever em sua organização curricular formação docente voltada para "o acolhimento e o trato da diversidade", que contemple conhecimentos sobre "as especificidades dos alunos com necessidades educacionais especiais" (MEC/SEESP p. 291).
25. A Lei nº 10.436/02 reconhece a Língua Brasileira de Sinais como meio legal de comunicação e expressão, determinando que sejam garantidas formas institucionalizadas de apoiar seu uso e difusão, bem como a inclusão da disciplina de Libras nos cursos de formação de professores e parte integrante do currículo.
26. Em 2003, o Ministério da Educação/Secretaria de Educação Especial implanta o Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade, com o objetivo de transformar os sistemas de ensino em sistemas educacionais inclusivos, promovendo um amplo processo de sensibilização e formação de gestores e educadores nos municípios brasileiros para a garantia do direito de acesso de todos à escolarização, a promoção das condições de acessibilidade e a organização do atendimento educacional especializado.
27. Em 2004, com base no Decreto nº 3.956/2001, o Ministério Público Federal publica o documento O Acesso de Alunos com Deficiência às Escolas e Classes Comuns da Rede Regular, com o objetivo de divulgar os conceitos e diretrizes mundiais da inclusão das pessoas com deficiência na área educacional, reafirmando o direito e os benefícios da escolarização de alunos com e sem deficiência nas turmas comuns do ensino regular.
28. O Decreto nº 5.296/04 que regulamenta as leis nº 10.048/00 e nº 10.098/00 estabeleceu condições para a implementação de uma política nacional de acessibilidade, trazendo conseqüências práticas que induzem a uma mudança de postura na sociedade para a garantia da acessibilidade as pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida.
29. O Decreto nº 5.626/05 regulamenta a Lei nº 10.436/2002 e dispõe sobre a inclusão da Libras como disciplina curricular, a formação do professor, instrutor e tradutor/intérprete de Libras, a certificação da proficiência em Libras, o ensino da Língua Portuguesa como segunda língua para alunos surdos e a inclusão de alunos surdos com a organização da educação bilíngüe nos sistemas de ensino.
30. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pela ONU em 2006, da qual o Brasil é signatário, desloca a idéia da limitação presente na pessoa para a sua interação com o ambiente, definindo no seu artigo 1º, que:
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.

31. Dentre os compromissos assumidos pelos Estados Parte para assegurar um sistema de educação inclusiva em todos os níveis de ensino, em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social, compatível com a meta de inclusão plena está a adoção de medidas para garantir que:

a) As pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional geral sob alegação de deficiência e que as crianças com deficiência não sejam excluídas do ensino fundamental gratuito e compulsório, sob alegação de deficiência;
b) As pessoas com deficiência possam ter acesso ao ensino fundamental inclusivo, de qualidade e gratuito, em igualdade de condições com as demais pessoas na comunidade em que vivem. (Convenção da ONU, 2006, Art.24).

32. Em 2006, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos, o Ministério da Educação, o Ministério da Justiça e a UNESCO lançam o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos inserindo o Brasil na Década da Educação em Direitos Humanos prevista no Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos. O Plano define ações para fomentar no currículo da educação básica as temáticas relativas às pessoas com deficiência e para desenvolver ações afirmativas que possibilitem inclusão, acesso e permanência na educação superior.
33. No contexto do Plano de Aceleração do Crescimento, o Plano de Desenvolvimento da Educação - PDE, enfatiza o desenvolvimento humano e social e a educação como prioridade e no Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, Decreto nº 6.094/2007, estabelecem diretrizes para garantia do acesso e permanência no ensino regular e atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos, fortalecendo a inclusão educacional nas escolas públicas.

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