4 de novembro de 2007

Fatos para refletirmos

Artigo públicado na ZH de 30 de outubro de 2007 - pg 17

Inclusão escolar: uma grande mentira
Tenho trigêmeos de quase cinco anos de idade que têm paralisia cerebral. Bom, eles estão numa pequena escola e, como todas as mães, comecei a pensar no futuro, ou seja, qual a escola em que eles poderiam dar continuidade aos seus estudos.Para um melhor entendimento da questão explico: meus filhos nasceram prematuros, tiveram uma infecção aos 30 dias de vida durante a internação na unidade de terapia intensiva e, ao longo do primeiro ano de vida, tiveram o referido diagnóstico.
Fomos atrás de tudo (fisioterapia, equoterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional...) para que houvesse a tão sonhada reabilitação. Hoje, eles são crianças maravilhosas, falam tudo, são inteligentes, brincam muito, mas não caminham. Pensam, mas não caminham!!!
Marquei entrevistas com orientadoras pedagógicas de algumas escolas particulares de Porto Alegre que me foram referendadas e percebi muitas dificuldades de entendimento da situação, e em alguns olhares, quase o pânico!
Por fim, numa determinada escola fui totalmente acolhida, ufa! A orientadora pedagógica foi muito tranqüila e receptiva. Por via das dúvidas, sempre levava fotografias das crianças e reexplicava: "Olha, a Paula já caminha sozinha, mas ainda cai muito. O Gui ainda não tirou as fraldas, engatinha e está começando a andar num andador especial. O Gabriel anda bem de andador...". Tudo tranqüilo, fui orientada a fazer a inscrição e depois a matrícula.
Voltei à escola com os meus filhos empolgados, e qual a minha surpresa quando, após olharem (e não conhecerem) os meus rebentos, sou chamada numa sala ao lado e avisada de que talvez não fosse o momento de receber os meus filhos!!! A toda negativa de inserção na escola vinha sempre uma frase de "é claro que recebemos todas as crianças"!? Fui informada de que a presença deles talvez demandasse a presença de uma outra auxiliar, talvez isso dificultasse... blá, blá, blá...
Meu filho Guilherme, nestes dias de primavera, desceu comigo no condomínio com suas órteses e seu andador. Tinha um menino andando de bicicleta que o olhava de cima para baixo, com as sobrancelhas cerradas. O Gui perguntou-me: "Mãe aquele guri está me olhando?", e eu disse: "Sim, filhote, e tu também estás olhando para ele", e ele respondeu: "Ah, mãe, eu achei linda aquela bicicleta amarela dele. Mas por que tu achas que ele está me olhando?" Falei que não sabia e perguntei o que ele achava: "Mãe eu acho que ele viu a minha alegria!!!"... São meus filhos, supervencedores e que voam com o pensamento, mas não caminham...Inclusão escolar, o que é isto?
Somos especialistas em criar leis. Uma lei não abraça uma criança. Podem publicar todos os nossos direitos, de nada adiantará se não houver uma mão que acolha! Ninguém é imune à vida, as dificuldades podem surgir para todos e também podem ser superadas. As oportunidades de aprendermos com as diferenças são desconfortáveis num primeiro momento e eternamente reveladoras. Resta saber em que mundo queremos viver.
Li num livro de Giuseppe Pontiggia um trecho em que os pais de uma criança de três meses recebem o diagnóstico de paralisia cerebral e o médico fala o seguinte: "Essas crianças nascem duas vezes. Têm de aprender a mover-se num mundo que o primeiro nascimento tornou mais difícil. O segundo, depende de vocês. Nascem duas vezes, e o percurso será mais atormentado. Mas, no final, será um renascer para vocês também".Sigo certa de que existem melhores caminhos e nós os encontraremos. Lamento pelos que perdem de conviver com esses pequenos que aos quatro anos de idade já me ensinaram a renascer tantas vezes!
LUCIANE NASCIMENTO LUBIANCA Médica

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