4 de dezembro de 2007

Fala da prof. Cíntia na audiência pública

Ao cumprimentá-los, falo como professora de uma escola especial, local primeiro onde a educação inclusiva surgiu e começou a ser trabalhada.
Creio ser importante relembrar que a escola especial surgiu no intuito de dar conta de indivíduos que em razão de sua deficiência viviam à margem da sociedade. Inicialmente com o caráter clínico e com o objetivo de treinamento das habilidades básicas, ao constituir-se ESCOLA este espaço foi ao longo dos anos redefinindo seu papel.
Ao contrário do que diz o parágrafo 07 do documento preliminar com a política nacional na perspectiva de ed. inclusiva, apesar da escola especial ter sim se organizado “inicialmente de caráter caritativo determinando formas de atendimento clínico terapêutico fortemente ancorados nos testes psicométricos”, na atualidade revela que tais conceitos há muito não fazem parte deste universo escolar. Trabalham sim diferentemente de algumas escolas consideradas “comuns”, pois entendem que negar a deficiência atrás de um falso discurso de igualdade fere o direito à diversidade tão pronunciado atualmente.
A partir de um currículo adaptado às necessidades dos alunos, os conteúdos escolares são desenvolvidos com o objetivo de desenvolver a postura de pesquisadores, em que a busca por conhecimentos torne cada sujeito também responsável por suas aprendizagens. Em grupos menores, na escola especial temos a possibilidade de desenvolver projetos de real interesse dos alunos, acompanhar sua evolução e propor estratégias de superação para aqueles que necessitam de um olhar mais próximo e do estabelecimento de vínculos mais estreitos para tornarem-se sujeitos de sua aprendizagem.
Acreditamos que as intervenções pedagógicas realizadas devem levar em consideração as particularidades de cada indivíduo, com ou sem deficiência. É necessária uma avaliação educativa a partir dos aspectos globais do desenvolvimento de cada um: como esse aluno pensa, como aprende, como lida com o conhecimento; como, com quem e de que forma interage com pessoas e situações.
A partir daí, a organização de metas de trabalho para cada aluno e para a turma precisam oportunizar o aprendizado considerando o desenvolvimento de cada um e suas potencialidades, pois colocá-lo no lugar daquele que pode modifica sua relação com a escola e com o saber.
Sim, mas por que na escola especial e não na escola regular?. A nosso ver, esta é uma questão primordial quando falamos em inclusão: antes de legislações e normativas que determinam ser este ou aquele o melhor espaço, precisamos trabalhar para que a escola “comum” e também a escola especial possam ser um espaço verdadeiramente educativo, prazeroso e acolhedor para o aluno com deficiência, mas também para o hiperativo, para o negro, para o índio, para aquele com altas habilidades, enfim, para a criança, adolescente e adulto que antes de tudo é um aluno, aprendente e ensinante.
Conhecemos a legislação, mas também conhecemos nossos alunos e nossas escolas. Justamente por isso, não concordamos que a escola especial seja considerada substitutiva nem complementar, ela é mais um espaço escolar inclusivo. Não deve ser o único, mas também não pode ser negado. Precisamos sim oferecer aos alunos com necessidades especiais diferentes e diversas possibilidades e espaços em que possa desenvolver-se.

Gostaria de ilustrar tal questão com a história escolar relatada por um menino de 11 anos...
ANTES DE ESTUDAR NO ELYSEU, EU ESTUDAVA NO COLÉGIO X, COM A PROFESSORA W. LÁ EU BRINCAVA DE FUTEBOL, FAZIA A DATA NO CADERNO. EU FIQUEI BASTANTE TEMPO NO X.
EU SAÍ DO X PORQUE EU BRIGAVA MUITO COM OS GURIS LÁ. O PROFESSOR MARCO APARECEU LÁ, ANOTOU NUM PAPEL DESENHADO COM UM TREM. MANDOU EU DESENHAR MEU AVÔ, MINHA VÓ E MINHA TIA. DISSERAM QUE EU IA SAIR DE LÁ. NINGUÉM DO COLÉGIO ME DISSE NADA.
O VÔ DISSE QUE EU IA SAIR PORQUE BRIGAVA E DERRUBAVA OS OUTROS. O MARCO DISSE QUE ERA PRA MIM APRENDER A ESCREVER O NOME E OS NÚMEROS.
AÍ EU VIM PRA CÁ (ESCOLA ELYSEU). TINHA UMA PROFESSORA E UMA GURIAZINHA ME ESPERANDO NA PRIMEIRA SALA, ERA A ELIANA E A BRENDA. EU COMECEI A FAZER UNS TRABALHOS, ESCREVIA MEU NOME E TINHA INFORMÁTICA. A GENTE IA PRO RECREIO E NEM BRIGAVA. EU COMECEI A RECORTAR E COLAR E PINTAR. EU GOSTEI DE VIM PRA CÁ.

Dessa forma,
Qual foi o espaço inclusivo para esse menino?
Em que espaço pôde aprender, sentir-se acolhido, respeitado?
Hoje, esse menino lê e escreve, alfabetizou-se na escola especial, começa a construir textos cada vez com maior autonomia e complexidade. Assim como ele, há tantos outros com experiências semelhantes, hoje alunos que na escola especial descobriram que podem aprender, ou como me disse um menino, “não-burro”.
Assim, retomo minha fala inicial de que foi e continua sendo a escola especial importante espaço de inclusão. Somos totalmente a favor de que nossos alunos estejam em espaços educativos e educacionais, em escolas que contemplem suas necessidades e atendam suas demandas de conhecimento e inclusão social. Para cada aluno, o que necessita em determinado momento.
Como professores cujo principal objetivo é proporcionar formas e espaços de aprendizagem e inclusão tanto escolar quanto social para nossos alunos, colocamo-nos a inteira disposição no sentido de trabalhar buscando o melhor para cada um. Estamos convictos da necessidade atual da permanência da escola especial para aqueles que dela necessitarem não como centro de atendimento, mas como sua ESCOLA, assim como da necessidade de que a escola regular possa acolher e trabalhar com alunos com necessidades especiais não apenas desenvolvendo o convívio social mas proporcionando aprendizagens significativas para seu crescimento.
Como professoras e professores inclusivos que somos, estamos sempre dispostos a trabalhar pelo melhor para cada aluno. Estamos aqui para unir forças e contribuir na construção de uma sociedade inclusiva e de escolas que contemplem realmente a diversidade. Se uma legislação deve levar em conta o direito e o bem-estar das pessoas, deve partir de suas necessidades também, e estamos aqui para garantir que os maiores interessados, os alunos e suas famílias, possam ser considerados, suas necessidades atendidas e sua possibilidade de escolha respeitada.

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